"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/12/2010
(próxima coluna: 26/12/2010)


ZAPEANDO

Vai ligar a televisão. Talvez não devesse optar por um caminho tão fácil. Talvez devesse sair pela rua, bater na porta de um vizinho, entrar numa igreja, pescar, escalar o Monte Crista, ir para academia ou a uma sorveteria, ou visitar a mãe.

Talvez devesse ir dormir, quem sabe sonhe com um mundo repleto de saídas, de opções, de escolhas felizes. Pensa nessas opções enquanto procura o controle remoto.

Acha a nona maravilha do mundo (poderia ser a primeira se não se perdesse tanto), e tudo se esvaece quando a televisão é ligada. A luzinha vermelha se transforma em verde: o mundo se abre: uma novela qualquer. Como todas as novelas os personagens entram, saem e sentam, sobretudo sentam em belíssimos e falsos sofás. No outro canal, Ivete Sangalo e sua alegria tão exuberante quanto irritante cantando para brasileiros em Nova York. Mais à frente, cenas de aeroportos: está assistindo televisão, não precisa ver gente chegando e partindo, esses dois lados da mesma viagem.

Sem paciência também para o programa infantil do outro canal. No próximo, Leda Nagle entrevista uma médica. Há quantos anos essa mulher faz entrevistas? Parecem que falam de alimentação. Não está com fome agora. Mais uma novela, parece ser uma genérica da Globo. Claro que mesmo genérica, essa novela mantém o padrão global: personagens entram em cena, saem de cena e sentam. Só que aqui sob uma iluminação pior. O assunto parece ser o amor. Segue: um político falando, estragando a televisão. Outro político falando: estrago na televisão ao quadrado. Mais um político: estrago cúbico. Uma juíza falando. Que mundo é esse? Mais uma entrevista, dessa vez um empresário do ramo das embarcações de luxo. Como é bem provável que jamais entre num desses iates, vai ao próximo.

Ressuscitaram a Eliza Salmudio, alguém ainda fala desse crime? No outro, uma mulher beirando a histeria vendendo joias também histéricas, se ela não estiver enganando o espectador, alguém está comprando essas joias. Tem louco pra tudo, inclusive para ficar assistindo esse canal por mais de um minuto. No próximo, Evandro Mesquita usando sua clássica “A Dois Passos do Paraíso” para fazer propaganda. O condomínio do Evandro deve ter subido, só isso explica ele contracenando com o Papai Noel numa campanha de máquinas de cartão de crédito e débito. No próximo canal um ensaio de ópera. No outro uns espanhóis falando rápido demais. Mais venda. Outra mulher histérica, dessa vez vendendo panelas.

Das panelas para uma lagarta, bem gorda, bem esfomeada, em close no outro canal. Mais outra mulher histérica vendendo mais joias. Um jovem casal apresentando um programa jovem. Melhor as histerias das vendedoras do que a desses jovens “descolados”. Mais uma entrevista. Mais cena de aeroporto. Mais do mesmo. Retorna ao primeiro canal, a novela continua. Lá fora a vida segue em círculos, diante da televisão inicia mais uma vez a trajetória circular e viciosa pelos canais vazios.


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