Coluna de 9/4/2011
(próxima coluna: 26/4/2011)
PERGUNTAR NÃO OFENDE?
Se tem um ditado popular que me intriga é o “perguntar não ofende”. Como assim? É certo: há perguntas e perguntas. Há o perguntar infantil, o perguntar de quem pede socorro, de quem quer uma chance, há o perguntar de quem já sabe a resposta, ou de que só quer iniciar uma conversa. Há o perguntar que é só provocação à gente que merece ser provocada: políticos, sub-celebridades, gente pretensiosa, gente desonesta, merece mesmo perguntas constrangedoras jogadas na cara, debulhadas sem dó nem piedade.
Há o perguntar da artimanha, do engodo, da sedução. O perguntar é um direito inalienável, o não responder também. O perguntar move a ciência, move até mesmo a fé, essa rocha inimperguntável: Jeremias, o profeta questionador, está aí para afirmar que perguntar e ter fé podem conviver, se não em harmonia, naquela desarmonia que só a interrogação pode dar ao humano. Jesus fez no instante derradeiro de sua vida terrena uma interrogação ao pai. Há inúmeros santos questionadores. Deus também pode ser visto, ou acreditado, como uma pergunta, muito mais do que uma resposta. O perguntar muda nossa entonação, criamos até um símbolo para ele na escrita: o curvilíneo ponto de interrogação.
Quanto ao ditado “perguntar não ofende”, o que me irrita é que o perguntador, muitas vezes hipocritamente, se escuda atrás dele. Claro que perguntar ofende, toda pergunta é ofensiva. No senso comum, ofender é uma coisa ruim, que ataca, agride, porém ofender é também fender, enfrentar algo, uma segurança, uma mentira, uma dignidade, uma verdade. Toda pergunta quer ofender, quer abrir, quer ter resposta para algo que não se sabe, ou se sabe à sombra da dúvida.
A pergunta ofende o perguntado tanto quanto o sol ofende a manhã, a chuva ofende o chão seco. É uma agressão, uma invasão, às vezes benéfica, às vezes daninha, por isso não acredito no provérbio “perguntar não ofende”. Ou melhor, o vejo como um artifício, uma defesa que coloca a pergunta num nível abaixo da afirmação. A afirmação pressupõe certeza, então o sujeito que afirma tem que bancar o que diz, já a pergunta traz sobre si o espectro da dúvida. Não foi afirmado, foi perguntado, portanto o perguntador não pode ser responsabilizado por isso.
A lógica parece simples, mas a linguagem não é tão simples, tão preto no branco. A linguagem é um espaço cinza, dessa forma, muitas vezes, uma pergunta traz dentro dela mais afirmação e mais ofensa (aqui no sentido pejorativo) do que a mais terrível das certezas. A pergunta, sob essa máscara de inocência, pode ser uma arma perigosa nas mãos dos perigosos, ou uma salvadora nas mãos dos salvadores. Como tudo na vida, é uma questão de jeito, de tom, de maleabilidade no uso da pergunta. Tal maleabilidade não parece ser muito usada por quem faz uso de um provérbio tão capenga quanto esse “perguntar não ofende”.
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