JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Coluna de 2/11/2010

E Dilma rezará pelo livrinho de Dutra?

Primeiro discurso de Dilma, logo após eleita, lembrou muito  falas de seu assessor Palocci, nos bons tempos do respeito aos contratos do primeiro governo lulista

                   O discurso de agradecimento da presidente eleita, Dilma Rousseff, do PT, foi uma boa surpresa. Pois, em vez de por água na fervura de uma campanha marcada pelo maniqueísmo odiento, seu texto repisou conceitos nobres do Estado Democrático de Direito - tais como a união nacional e a plena liberdade de informação, expressão e culto. O leitor terá percebido o uso proposital da palavra “texto”. Sim, a candidata triunfante do presidente Lula não se arriscou num improviso daqueles em que o patrono é mestre, mas preferiu abrigar-se em frases buriladas com esmero por um ghost writer preciso e de confiança. E, cá pra nós, o primeiro pronunciamento da primeira mulher a presidir nossa nada serena República foi mais cercado de cautelas do que a tática de jogo do Corinthians de Lula treinado por Tite: de uma escassez de emoção que beirou o tédio.

                   Bendito tédio! A democracia não existe para matar o eleitor de pavor, tal como prenunciava o segundo turno da disputa da Presidência por PT e PSDB no conturbado mês de outubro, que parecia um agosto que não acabava. Mas, sim, para a pachorra pacífica como o cidadão foi até as urnas para decidir o destino da Pátria num domingo bonito e tranquilo. Ira à flor da pele, indignação clamorosa, confronto conflituoso: este é o rosto dos regimes totalitários e das ditaduras sanguinolentas. A fala de Dilma tinha o tom dos discursos de um dos mandachuvas de sua campanha, o ex-czar da economia do primeiro lulismo, Antonio Palocci, que não saiu de seu lado nem no automóvel que a levou à festa: “contratos honrados, contraditórios respeitados.”

                   O pronunciamento da Dilma tinha também o jeito da Carta ao povo brasileiro, que ditou as regras da economia no primeiro mandato lulista, quando se esperava que ela comparecesse à festa da vitória levando dos palanqueso ódio mortal à privatização. Qual é dos dois o autêntico? E qual o fingido?

                   O gélido desfile de conceitos repetidos, só interrompidos pela emoção à flor dos olhos quando a sucessora se referiu ao padrinho, pode até ser conversa para boi dormir. Mas pode não ser. Quem sabe não seja a compreensão exata da missão constitucional da eleita, repetindo historicamente o único brasileiro que, como ela, nunca tinha desempenhado cargo eletivo antes de ser empossado na Presidência, o mais alto de todos eles, marechal Eurico Gaspar Dutra. Só o tempo dirá se a futura chefe da Nação vai recorrer à Carta Magna como se fosse seu livro de orações, a conselho de Palocci, no papel de Dona Santinha, guardadas as devidas proporções, pois quem vai querer a estas alturas uma versão masculina e pós-moderna da venerada mulher do chefe do primeiro governo federal sob a égide da Constituição de 1946? Afinal, o debate religioso foi ó conversa de palanque, não foi?

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