JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Coluna de 29/3/2011

A indesejada batendo à porta do vizinho de sala

Morreu no dia 15 de março, terça-feira de madrugada uma lenda do jornalismo brasileiro, Antônio Carvalho Mendes, que se tornou conhecido como Toninho Boa Morte por ter editado por meio século a coluna de obituários do jornal O Estado de S. Paulo. Paulistano de nascimento, são-paulino barulhento, solitário por vocação, lacerdista fanático, praticamente morou na redação, chegou aos 77 anos sem nunca ter casado nem formado família e sucumbiu a uma sequência de enfartes no miocárdio acompanhados de outras complicações, a última das quais uma anemia. Será sepultado no cemitério Paquetá em Santos ao lado da mãe, única companhia que teve enquanto ela viveu.

Quarta-feira foi a vez de outro viajante fora da hora, este ainda mais precoce. Meu amigo Sidnei Basile, da equipe da reportagem geral em que trabalhei sob o comando de JB Lemos na Folha de S. Paulo nos anos 70, nos deixou vitimado por um câncer terrível.

A Indesejada das gentes tem rondado muito as redondezas de meu convívio.
Que Deus tenha e guarde esses companheiros de guerra e paz. E que eles por nós velem lá do céu.

Em homenagem a estes dois companheiros vai um poema que fiz há algum tempo sobre a minha vez, quando ela chegar (espero que tarde, pois não tenho medo de envelhecer e, sim, de não envelhecer)

Será uma Vez

José Nêumanne Pinto

No dia em que chegar o dia,
nem é preciso que eu esteja pronto,
enfatiotado para a viagem de rumo incerto
                         e com bagagem feita, além de minha nudez.
Na hora em que chegar a hora,
a hora incerta, a que não tem seguinte,
pretendo apenas estar sóbrio e lúcido,
para me servir de boa companhia,
pois longa será a travessia
e não haverá a chance de chamar alguém.

Quando chegar a visita que não se espera,
não lhe servirei café na xícara
nem terei palavras para lhe saudar a entrada.
Quero estar mudo como a matéria, que serei de novo,
pois quanto mais houver silêncio num adeus,
mais comovido será o momento.
Não importa quanto o tempo vivido,
pois será sempre escasso.
Nem a saudade que fica conta,
pois sempre haverá o vazio imenso...

Quando o dia chegar, sem aviso,
não haverá testamentos a assinar
nem encontros combinados a confirmar,
muito menos o testemunho de minha ausência.
Será, como sempre, numa hora precária,
pois, afinal, precárias são todas as horas
e, pelo menos para quem fica, ela terá
a vaga importância que têm todas as horas.
Reservo-me apenas o direito de sonhar sozinho
o sonho definitivo do último sono,
o delírio final da razão partindo
e o último alento da visão, que escapa.

Não é lícito escrever tanto sobre estas coisas
nem cabe aqui descrever o não sabido,
que, no entanto, é só o que se sabe.
Sei apenas que sou pó
e, quando voltar ao pó, de onde venho,
gostarei de ter passado como um cometa,
não apenas um meteorito tonto
a esmagar as pedras que rolam no caminho.
Quando eu passar, definitivamente,
mesmo tendo sido em vão o meu desfile,
quero que meu amor guarde de mim os doces instantes
e os inimigos eventuais tenham cebolas a cortar.

Quando hoje houver, mas amanhã nem talvez,
quem tiver cruz a transportar nas costas
que a fixe sobre o chão que me abrigar
e meus filhos me possam lembrar
como a semente que teimou em germinar.
Quando mergulhar no mar vazio,
de onde vim, também sem o saber,
estarei, como nunca, melado
da placenta pastosa das palavras,
berrando o urro primevo e primal
de todo inexistente que alguma vez tenha existido.

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