Coluna de 9/5/2011
(próxima coluna: 26/5/2011)
A FOTOGENIA
Chico Buarque, numa de suas letras mais interessantes, discorre sobre a foto, mais especificamente sobre a foto três-por-quatro, constante na capa do CD “Paratodos”: “O retrato do artista quando moço / não é promissora, cândida figura / é a figura do larápio rastaquera / numa foto que não era para a capa. / Uma pose para câmera tão dura / cujo foco toda lírica solapa.” Assim começa a canção.
Eu gosto também muito dos últimos versos: “o retrato da paúra quando o cara / se prepara para dar a cara a tapa.” Afastando da letra toda a contextualização política que o Chico Buarque deu, é exatamente assim que eu me sinto quando tenho que tirar foto, tenho que fazer a pose para a câmera tão dura: o retrato da paúra. O retrato do sujeito que tem que dar a cara a tapa, do sujeito que não tem pra onde olhar senão para o seu próprio algoz.
Para mim, ser fotografado é bem pior do que ser filmado. Aquela coisa da pose, do ficar estático, do sorrir ou ficar sério. Por mais festivo que seja, por mais interessante que seja, é sempre um constrangimento, um momento em que minha alma tímida é exposta, é iluminada pelo flash. E lá se vai meu lirismo. Lá se vai minha alma ficar congelada, sequestrada por essa maquininha infalível.
Na busca por uma explicação para minha resistência em tirar fotos, ou melhor, é mais do que resistência, é a minha incapacidade de ser natural nas fotos (vide esse esboço ranzinza aí em cima), a minha preferida é a ideia de que a fotografia rouba a alma das pessoas. Tal ideia é atribuída aos índios, mas deus Google não me deu muita certeza. Assim, mesmo tendo ressalvas à ideia de reencarnação, sempre que sou obrigado a tirar uma foto, me considero a reencarnação de uma alma roubada em tempos idos, por uma daquelas máquinas fotográficas enormes do começo do século 20. É trauma que vem de longe.
Outra ideia interessante surgiu quando eu escrevi um artigo sobre cinema. Li alguns conceitos sobre fotogenia. No princípio, era aquilo que produzia uma imagem nítida, depois ficou restrita ao corpo humano. Um corpo fotogênico era aquele capaz de trazer beleza à fotografia. A partir desse conceito, a ideia de luz ficou para trás e a fotogenia passou a ser apenas o encanto, a beleza, o poético que ficava na fotografia. Nesse momento, no começo do século 20, a fotogenia entrou para o campo do mistério, do inaudível, da poesia. Ou seja, a velha e boa aura. Aquela capacidade que alguns tem de ficarem bem na foto. Nada a ver com beleza, ou com corpos sarados e juventude. Está muito acima disso, está no campo do mistério.
A fotogenia é como algo genético: ou você tem ou você não tem. Diferente da simpatia, da educação, até mesmo da inteligência, não se pode adquirir, ou se esforçar para conseguir, ou disfarçar de vez em quando, nada dá jeito. A fotografia é implacável: ela jamais revelará o que o fotografado não tem.
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