"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/6/2011
(próxima coluna: 26/6/2011)


VENDEM-SE FAXINA E PRESSA

O último poema que escrevi remete a algo que vem me perturbando: a pressa. Diz o seguinte: “Não direi que a pressa / é uma pedra / não sou Sísifo / embora pareça. / A pressa me acontece / mais como a montanha: / subir e descer. A pressa é um disfarce / um silêncio em máscaras / que carrego feliz. A pressa me acontece / no lugar da perda.”

A pressa é um sinônimo do nosso tempo, basta olhar qualquer cidade do mundo que o que a resume é a pressa. Há lugares menores, mais afastados onde ela não tem tanta vida. Ainda é possível uma lentidão, um demorar-se a chegar, a sair, a entrar, um demorar-se no viver. Mas a maioria das pessoas é urbana e tem sob os pés e dentro da cabeça a pressa.

Para um cronista, a pressa é uma doença que ataca justamente seu órgão principal: os olhos. Um cronista sem olhar é estúpido. Obviamente, um cronista com pressa tem grande propensão à estupidez. É o que tem acontecido comigo, ando com tanta pressa que não tenho visto coisas interessantes, ou coisas cronicáveis. Tudo passa tão rápido e sempre pelo mesmo caminho, nenhum atalho, nenhuma rua diferente, o mesmo processo quase todos os dias. O automatismo do mundo anda cerceando meu olhar. Ainda não é a estupidez, mas são os primeiros sintomas.

Mas enquanto não resolvo o problema principal, o jeito é ir tomando os velhos e bons paliativos de sempre. Nesses casos há um, digamos, comprimido excelente: a sorte. Se o cronista está afetado pela pressa, precisa ter sorte de estar no lugar certo, na hora certa, já que suas possibilidades não são tantas quanto as daquele que tem todo o tempo do mundo. Pois, há dias tem me acontecido uma visão diferenciada: numa esquina movimentada, na frente de um dos principais shoppings de Florianópolis, uma mulher passa horas com um placa na mão: “faxina, 30,00”. Deduzo que ela passa horas pois eu a vejo sempre que o sinal fecha e já há vi em horários muito diferentes. Das duas, uma: ou ela faz as faxinas justamente nos momentos em que eu não a vejo, ou ela não faz é faxina nenhuma, o que é mais provável.

Eu acho que a sua aparência e seu jeito de “vender” a faxina não são muito de acordo com as regras do mercado. Estou tentando até agora saber quem é o público-alvo dessa mulher. Não deve ser a alta classe endinheirada que passa por ali. Também não deve ser a classe média, nem tão endinheirada, mas com os velhos desejos de ser classe A. Talvez sejam os estudantes, mas esses fazem a faxina e gastam os R$ 30 nas festas. Queria muito saber quem contrata essa mulher. Como faz? Colocam-na dentro do carro, levam-na até a casa a ser faxinada e ficam vigiando seu serviço? Pedem referências? Enfim, são coisas que me passam pela cabeça no minuto em que o sinal está fechado. Ainda não tive tempo de olhá-la longamente, de quem sabe me sentar ao lado dela e também oferecer a minha pressa a R$ 30.

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