JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Coluna de 8/5/2012

Evento se esquece de Luiz Gonzaga

Os organizadores da Virada Cultural deram a maior bola fora da história da promoção ao se esquecerem da efeméride de música brasileira mais importante do ano: o centenário de Luiz Gonzaga, seu Lua, o Rei do Baião, nascido em Exu, no sertão do Pajeú, Pernambuco.

Gonzagão não era apenas o compositor de clássicos do cancioneiro popular, como Asa Branca, só para citar o exemplo do maior de todos. Nem somente o intérprete singular que transportou o sertão nordestino para a programação do rádio e da televisão no Sudeste Maravilha. Sua relevância transcende a essas constatações por dois motivos.

O primeiro deles é que fundou a música regional nordestina. No dia em que resolveu o problema prático do transporte de seus acompanhantes no próprio automóvel para economizar o aluguel de um ônibus reduzindo o instrumental à sanfona que ele tocava, ao zabumba que dava o ritmo e à ajuda de um triângulo, criou um gênero, uma modalidade. E agendou no calendário nacional de festas populares a tradição de festejar as noites de São João e São Pedro com ritmos dos ermos sertanejos, tais como o xaxado dos cangaceiros de Lampião, o forró dançado nos terreiros de terra batida, o rojão do duplo sentido e o baião, que ele inventou com a cumplicidade de Humberto Teixeira, outro gênio esquecido. Se o filho do sanfoneiro Januário e de dona Santana não tivesse descoberto que do triângulo de metal percutido por uma vareta usado pelos vendedores de cavaco chinês na rua complementava a pegada do zabumba, Campina Grande, Caruaru e hoje praticamente o Nordeste inteiro não teriam adicionado a suas fontes de renda os festejos juninos.

Sem ele, sanfoneiros e cantores que se apresentam em arraiais juninos não ganhariam a vida com o suor de sua arte. Os sanfoneiros Dominguinhos e Flávio José, os intérpretes Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda, Marinês, Elba Ramalho, Santana Cantador e Alcimar Monteiro e compositores como Antônio Barros e Cecéu, Maciel Filho, Onildo Almeida e Patativa do Assaré são filhos profissionais de Gonzagão.

A importância de Gonzaga no show business brasileiro só se compara com a da geração de sambistas da Época de Ouro dos anos 30 do século passado – Noel Rosa, Assis Valente, Ary Barroso, Cartola e Sinhô, entre tantos outros – inventaram o maior espetáculo do mundo, o samba carioca. E, um decênio depois, o sucesso do baião transportou os ecos da caatinga para os estúdios de emissoras de rádio e televisão e gravadoras.

Este sucesso lhe deu majestade e o torno o grande símbolo da diáspora nordestina. Todas as gerações de autores e intérpretes originários do Nordeste – Manezinho Araújo, Zé Ramalho, Fagner, Alceu Valença, Geraldinho Azevedo, Caetano Veloso e Gilberto Gil, só para citar os exemplos mais óbvios – beberam na obra ele para produzirem a deles.

É, pois, signo de burrice e insensibilidade privar São Paulo, a maior cidade nordestina do mundo, de lembrar a voz que trouxe os aboios das quebradas para as esquinas de concreto. Uma virada sem Gonzaga não é paulistana de verdade.

Publicada no Caderno 2+música Pag.D 7 do Estado de S. Paulo de sábado 5 de maio de 2012
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