JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. E conheça o também a poesia do colunista no site: http://neumanne.com

Coluna de 23/6/2015

Dados à mão e ideia nenhuma na cabeça

                       Desgoverno ignora o que fazer e oposição nada tem a propor para quando ele acabar

Tiradentes foi o primeiro grande bode expiatório da História do Brasil. Era, digamos, o menos valido dos inconfidentes das Minas Gerais. Pagou com a vida pela loucura de, não sendo abastado, ter comprado a briga da elite das ricas regiões mineiras, revoltada com a “derrama”, obrigação de dar um quinto do ouro garimpado à Coroa d'além-mar. Enforcado, esquartejado, com as partes do corpo despedaçado espetadas em postes, a cabeça em Vila Rica, hoje Ouro Preto, foi esquecido no Império e celebrado na República como Protomártir da Independência. Hoje o Estado republicano leva em impostos, no mínimo, 50% mais do que a “derrama” colonial e o martírio dele é lembrado neste tempo nefasto em que, como se diz vulgarmente, “não está fácil pra ninguém” – seja para a nobreza, seja para a plebe.

Os fidalgos contemporâneos são a elevada hierarquia do governo federal e a elite partidária e sindical, que mandam na República com que Joaquim José da Silva Xavier sonhou. A situação de dona Dilma é tão precária que, num rasgo de altruísmo alienado, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), candidato a vice da oposição ao poder petista de mais de 12 anos, condescendeu em deixá-la “sangrar”, como se, neste processo vil, nossa hemorragia não tivesse de desatar antes. “Inocente”, diria compadre Washington. “Nem tanto”, retrucaria o bêbado cético da piada que, à porta da Igreja no ofício fúnebre da Sexta-Feira Santa, resmungou ao ouvir o relato da paixão do Cristo: “Alguma ele fez”.

O desavisado tucano pode até ter razão pelo menos num detalhe: a situação também não está fácil para a “governanta”, que cada vez governa menos, embora isso não queira dizer que não governe mais. Governa, sim! E sua situação é tão aflitiva que não pode ser definida como de “pato manco”, como se diz na América do Norte dos senhores que mantêm o título, mas perdem o poder de fato. Talvez seja o caso de compará-la com o corvo de asa quebrada à janela, da bela e triste canção de amor de Bob Dylan.

A semana que finou antes das honras de praxe ao alferes herói cheirou a incenso de exéquias para os petistas. Ela começou com a entrevista do ex-diretor da empresa holandesa SBM Jonathan David Taylor à Folha de S.Paulo , informando que delatou propinoduto entre sua firma e a Petrobrás em agosto e a Controladoria-Geral da União (CGU) deixou para investigar depois da reeleição de outubro. “Repilo veementemente”, clamou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, repetindo o mantra que agora lembra as juras de inocência de João Vaccari Neto, preso nessa semana fatídica, ecoadas pelo presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Rui Falcão. É como se dissessem: “Fecha-te, Vila Sésamo!”

Sim, há um quê de programa infantil de televisão em nossa chanchada trágica. Por exemplo: enquanto a presidente mentia para se reeleger na campanha oferecendo Shangri-lá ao eleitorado, seu Mágico de Oz, Guido Mantega, lidava com a contabilidade pública, tratada com rigor nas democracias com vergonha, como se fosse um conto sem fadas só de bruxas. Os truques de mágico de circo “tampa de penico” adotaram o nome de um drible desmoralizante no futebol, as “pedaladas” que o craque Robinho, do Santos, deu no desajeitado zagueirão Rogério, do Corinthians, em final de campeonato. O desconcerto contábil deu a segunda grande dor de cabeça da véspera da data consagrada ao herói martirizado: o Tribunal de Contas da União (TCU), incorporando de forma inédita a lógica dos fatos, definiu-o, unanimemente, como “crime”. E não podia ser diferente, pois é crime. E grave!

Só resta conferir se o TCU, além de ouvir o óbvio de Nelson Rodrigues ulular, confirmará seus técnicos. E se o Congresso, a que ele serve, terá súbito e improvável pudor de refutar algo tão simples e óbvio, negando aval às contas do último ano do primeiro mandato de Dilma, incriminando-a.

Se a lógica patente substituir a obscura tradição, os rebelados contra o mandarinato petista que vão às ruas terão razão para confiar que a “gerenta” não chegará ao fim de sua malfadada gestão, pois haverá razões legais, além do mero fato de ela ter-se revelado “incompetenta”. Mas esta é, por enquanto, apenas uma hipótese remota. Impeachment de presidente só pode resultar de um processo de responsabilidade efetiva e comprovada de crime contra os bens e o interesse públicos, com aval, primeiro, da Câmara e, depois, do Senado. Até Marina Silva pulou da rede para lembrar que não basta impedir, é preciso assumir.

A monjinha trotskista contribuiu para o debate político consequente de forma mais racional do que os tucanos que ela apoiou, timidamente, no segundo turno da última eleição. Estes realizam a proeza de ser, a um tempo, omissos e “oportunistas”, como definiu o historiador José Murilo de Carvalho em entrevista ao  "Estado"  de domingo 12 de abril. Do alto de 51 milhões de votos, Aécio Neves acenou para os manifestantes do apartamento em Ipanema em 15 de março. E em 12 de abril convocou seguidores para um protesto ao qual não foi.

Essa omissão com pretensão a liderar, com dados à mão e ideia nenhuma na cabeça, só não superou em desfaçatez o oportunismo de aderir ao impeachment após pesquisa do Datafolha constatar o apoio de 63% da população à medida. Não estando autorizado por Carvalho a interpretar o que disse com brilho, este escriba desconfia que os oportunistas não se limitam a apreciar o sangramento de Dilma sem lhe ter dado, ao contrário de Brutus em Júlio César, nenhuma punhalada. O problema é que, como registrou neste espaço o tucano Roberto Macedo, economista de escol, o PSDB ainda não apresentou ao eleitorado sequer sua posição sobre os ajustes propostos por Levy.

O desgoverno Dilma não sabe o que fazer e a oposição não conta o que propõe para quando ele acabar: antes de apoiar o impeachment, devia dizer o que fará no dia seguinte.

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