A GEOGRAFIA DA CIDADE
O que é uma cidade? Para além das definições técnicas, dicionarizadas, científicas, ainda fica a pergunta: o que realmente é uma cidade. Segundo Walter Benjamin, “a cidade é a realização do antigo sonho humano do labirinto”. Essa sensação labiríntica aparece com mais força quando vamos a uma cidade pela primeira vez. Quando somos destituídos dos pontos cardeais, do conhecimento automático das ruas, das saídas e entradas. Toda cidade se torna um labirinto, um espaço de perda, não aquela perda trágica das crianças ou dos que sofrem amnésia, mas uma breve perda de quem se dá o luxo de esquecer-se um pouco, de vasculhar os cantos do labirinto, de quem não quer achar a saída, mas apenas novos espaços possíveis para o olhar. A cidade é a geografia da surpresa. Outra frase que eu gosto muito é a do psiquiatra e escritor Marcel Reja, que dizia: “eu viajo para conhecer a minha geografia”. Concordei com a frase assim que a li. A cada cidade conhecida uma parte nova de nós surge, é iluminada, trazida à tona, exposta como se fossem frutas na feira. Porém, fiquei pensando que para além do conhecimento da nossa própria geografia, interessa também conhecer e perceber a geografia da cidade. É quase como se fosse uma relação de conquista, um primeiro encontro em que não se descarta o amor à primeira vista. Não são raros os relatos de pessoas que chegam em uma cidade e sabem que é ali que querem, precisam, devem viver.
É a geografia da cidade acariciando a alma de quem lhe visita. Mais: seduzindo o corpo, fazendo com que o fascínio aconteça e a decisão seja tomada: “é para cá que eu venho”, diz o seduzido.
Esse prólogo é para relatar minha experiência com a geografia de Chapecó. Eu sou nascido e criado entre a Serra do Mar e o mar. Há quarenta anos minha paisagem habitual é essa: duas forças da natureza me cercando, estabelecendo minha estética, compondo, diariamente, meu itinerário, sobretudo o mar. Não que eu tenha uma relação direta e visceral com ele, longe disso, mas é que nunca tive a sensação de não conhecê-lo, ou de sentir saudades dele, ou de ter em mim aquele mar mítico que somente quem reside a centenas ou milhares de quilômetros tem. Chegando a Chapecó, eis que a geografia inédita da cidade me seduziu: suas avenidas largas, retas porém ondulantes, como se a gente estivesse sempre num tobogã gigante. Essa geografia fez com que eu esquecesse os cortes abruptos da minha paisagem natural. Andar por Chapecó é ondular-se num mar de colinas, é subir ou descer sem que se perceba o esforço. Edmond Jaloux dizia que nós devemos “sair, quando nada nos obriga a fazê-lo, e seguir nossa inspiração como se o simples fato de virar à direita ou à esquerda já constituísse um ato essencialmente poético”. Caminhar nesta cidade fomentou ainda mais meus passos de poeta, por isso gostei tanto dela.
Além disso, para além da geografia urbana, há a geografia humana de Chapecó. Fazia tempo que eu não via gente tão talhada na simpatia, aliás, acho que nunca vi mesmo.
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