"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/10/2011
(próxima coluna: 9/11/2011)

A GEOGRAFIA DA CIDADE

O que é uma cidade? Para além das definições técnicas, dicionarizadas, científicas, ainda fica a pergunta: o que realmente é uma cidade. Segundo Walter Benjamin, “a cidade é a realização do antigo sonho humano do labirinto”. Essa sensação labiríntica aparece com mais força quando vamos a uma cidade pela primeira vez. Quando somos destituídos dos pontos cardeais, do conhecimento automático das ruas, das saídas e entradas. Toda cidade se torna um labirinto, um espaço de perda, não aquela perda trágica das crianças ou dos que sofrem amnésia, mas uma breve perda de quem se dá o luxo de esquecer-se um pouco, de vasculhar os cantos do labirinto, de quem não quer achar a saída, mas apenas novos espaços possíveis para o olhar. A cidade é a geografia da surpresa. Outra frase que eu gosto muito é a do psiquiatra e escritor Marcel Reja, que dizia: “eu viajo para conhecer a minha geografia”. Concordei com a frase assim que a li. A cada cidade conhecida uma parte nova de nós surge, é iluminada, trazida à tona, exposta como se fossem frutas na feira. Porém, fiquei pensando que para além do conhecimento da nossa própria geografia, interessa também conhecer e perceber a geografia da cidade. É quase como se fosse uma relação de conquista, um primeiro encontro em que não se descarta o amor à primeira vista. Não são raros os relatos de pessoas que chegam em uma cidade e sabem que é ali que querem, precisam, devem viver.

É a geografia da cidade acariciando a alma de quem lhe visita. Mais: seduzindo o corpo, fazendo com que o fascínio aconteça e a decisão seja tomada: “é para cá que eu venho”, diz o seduzido.

Esse prólogo é para relatar minha experiência com a geografia de Chapecó. Eu sou nascido e criado entre a Serra do Mar e o mar. Há quarenta anos minha paisagem habitual é essa: duas forças da natureza me cercando, estabelecendo minha estética, compondo, diariamente, meu itinerário, sobretudo o mar. Não que eu tenha uma relação direta e visceral com ele, longe disso, mas é que nunca tive a sensação de não conhecê-lo, ou de sentir saudades dele, ou de ter em mim aquele mar mítico que somente quem reside a centenas ou milhares de quilômetros tem. Chegando a Chapecó, eis que a geografia inédita da cidade me seduziu: suas avenidas largas, retas porém ondulantes, como se a gente estivesse sempre num tobogã gigante. Essa geografia fez com que eu esquecesse os cortes abruptos da minha paisagem natural. Andar por Chapecó é ondular-se num mar de colinas, é subir ou descer sem que se perceba o esforço. Edmond Jaloux dizia que nós devemos “sair, quando nada nos obriga a fazê-lo, e seguir nossa inspiração como se o simples fato de virar à direita ou à esquerda já constituísse um ato essencialmente poético”. Caminhar nesta cidade fomentou ainda mais meus passos de poeta, por isso gostei tanto dela.

Além disso, para além da geografia urbana, há a geografia humana de Chapecó. Fazia tempo que eu não via gente tão talhada na simpatia, aliás, acho que nunca vi mesmo.

Arquivo de colunas anteriores:

01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 , 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 6768, 69, 70, 71, 72 , 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138

Voltar