A quiromancia
Das artes divinatórias, a quiromancia é a mais fascinante. Passado, futuro, as diversas anotações do destino inscrito nas mãos. A quiromancia remonta de tempos ancestrais, quando o homem ainda não era esse súdito da razão científica. Num tempo em que os deuses compartilhavam sua vida com os humanos, em que os mistérios da vida, bem como de todo esse compartilhamento, eram lidos e interpretados numa das partes mais importantes do corpo: as mãos, essas fazedoras tanto daquilo que nos aumenta, nos torna melhores, quanto daquilo que nos acachapa, nos envergonha enquanto espécie. As mãos, em que outra parte haveria de estar contido o destino?
Da Índia à China, mãos eram lidas, vidas traçadas de acordo com os traços inscritos. Depois, os ciganos espalharam a quiromancia pelo mundo. Ainda hoje é possível ver algumas ciganas nas praças oferecendo aos pedestres a revelação. São teatrais, as ciganas, mas também são mulheres perdidas frente as racionalização de tudo. Poucos arriscam pagar para ter revelado mistérios tão antigos, poucos arriscam dar a mão para uma ledora desconhecida, ledora daquilo que, às vezes, é melhor ficar desconhecido mesmo, escondido nesses vincos que trazemos. As ciganas se leem a si mesmas? São capazes de adivinhar que sorte carregam?
São três linhas principais: da cabeça, do coração e da vida perpetrando as escolhas. Mais uma série de outras linhas menores, entrecortadas, profundas, rasas, falhas. Mas quem escreveu nas nossas mãos o passado e o futuro? Quem determinou sobre nossa pele esse texto? Pode ter sido a natureza que a tudo escreve com perfeição, pode ter sido algo superior, divino, que conhece as fronteiras entre passado e futuro, que consegue suplantar o tempo, e ao fazer isso, desenha nas mãos de que cada um, uma possibilidade de caminho.
Somos seres curiosos. A imprevisibilidade do futuro nos agonia, nos desmancha as certezas. Obviamente algo precisou ser feito: por um lado, criou-se a fé, a inexorável fé que acompanha o homem desde sempre, e por outro criou-se o jogo divinatório que perpassa diversas formas: café, cartas, estrelas, mais um sem número de outras possibilidades de conforto, de tentativa de controle. Uma tentativa de conter em algumas palavras, em algumas certezas a amplidão do destino, essa névoa, essa sagacidade que nos envolve: existe? não existe? tudo é apenas acaso e contra o acaso não há linha na mão que de jeito? Para as cartas há o provérbio que elas não mentem jamais? Mentiriam as mãos?
Algo sempre me perturbou, se o futuro pode ser lido nas mãos, qual seria o futuro daquele que não tem mão? daquele que a perdeu ou nasceu sem ela? Que leitura os quiromantes podem fazer de alguém desprovido do suporte onde está escrito o texto que lhe revelaria os caminhos a serem tomados, as decisões a serem cumpridas?
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