"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/12/2011
(próxima coluna: 26/12/2011)

ALCIONE E OS FÃS RIDÍCULOS

Num tempo em que o culto às celebridades ganha proporções nunca vistas, como se comportar diante de alguém famoso? Há várias maneiras que vão da histeria à timidez, passando por abordagens simpáticas ou evasivas. Estamos aqui pensando em encontros fortuitos na rua, em lugares públicos, algo não muito normal para os não habitantes da Zona Sul Carioca. O contato mais comum que nós, catarinenses, temos com gente famosa é quando os artistas vêm trabalhar aqui: uma peça de teatro, um show, uma palestra, um desfile, algo que nos permite ver e, talvez, conversar com o ídolo.

No entanto, mesmo assim há certas regras de bom senso que devem ser respeitadas. Escrevo isso porque, na sexta (18 de novembro), a cantora Alcione fez uma apresentação em Balneário Camboriú, e foi durante o seu show que eu vi alguns comportamentos mais estranhos, para não dizer vergonhosos, do público perante uma celebridade. O show foi numa casa noturna, o que já danifica um pouco a recepção da voz potente de Alcione. A casa estava dividida, basicamente, em três ambientes: em frente ao palco, havia diversas mesas com seis ou sete cadeiras cada; ao lado, alguns camarotes; e na parte superior, um mezanino, onde fica o povo mais desprovido de dividendos (este cronista, inclusive). Como é comum nesses ambientes, muitas pessoas foram lá para ouvir Alcione, mas outras foram para comer, beber, chamar o garçom, conversar no fundão, transitar de um lado para o outro. Ela deve estar acostumada a esse tipo de ambiente, afinal, são 40 anos de carreira, porém eu, espectador, fiquei um pouco irritado com a indiferença de muitos ali. Era a Alcione, a Marrom, a mulher que eternizou algumas canções no imaginário popular, uma das principais vozes do Brasil. Parecia que nada disso interessava aos indiferentes falantes.

Porém não foram os barulhentos que me proporcionaram aquele triste sentimento de vergonha alheia. Foram outros espectadores que, sem nenhuma cerimônia, postavam-se na frente do palco para tirar fotos, não da cantora, mas de si mesmos com a cantora ao fundo, como se Alcione fosse uma estátua, como se ela não tivesse ali trabalhando. Como se a música que ela e seus nove músicos estavam fazendo nada valesse. A falta de bom senso chegou ao cúmulo quando Alcione senta-se numa cadeira, as luzes se apagam, há apenas um foco de luz sobre ela, que começa a cantar uma música em francês. Várias pessoas saíram de suas mesas e postaram-se na frente dela, dentro do foco de luz para tirar fotos. Num teatro, com silêncio respeitoso, seria um dos momentos máximos do show, mas com aquelas pessoas fazendo pose na frente da Marrom, o momento foi de uma tristeza patética sem par.

Toda a força expressiva da arte de Alcione não interessava, o que eles queriam era uma foto com a celebridade ao fundo. Dane-se a música, dane-se a arte, o que interessa é a fama fotografada e o anônimo ridículo dentro da foto.

Arquivo de colunas anteriores:

01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 , 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 6768, 69, 70, 71, 72 , 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141

Voltar