Coluna de 26/5/2012
(próxima coluna: 9/6/2012)
Blocos sopra as velinhas do bolo comemorativo da 150ª coluna
A pressa de acabar
“Em tudo, essa estranha pressa de acabar se ostenta como a marca do seculo. Não ha mais livros definitivos, quadros destinados a não morrer, idéas imortaes, amores que queiram assemelhar ao simbolo de Philemon e Baucis. Trabalha-se muito mais, ama-se mesmo muito mais, apenas sem fazer a digestão e sem ter tempo de a fazer.”
Duas coisas sobre a citação acima: não, ela não está escrita com palavras erradas e sem os acentos, mas sim de acordo com a ortografia de 1909, o ano em que João do Rio publicou a crônica “A pressa de acabar” no seu livro Cinematógrapho. A ssim, os defensores ferrenhos da ortografia tem que saber que não defendem uma lei imutável, e o que consideram certo agora, em breve pode mudar completamente, da mesma forma que a palavra “mês” já foi escrita como “mez” e “ajeitar” já foi “ageitar”. A ortografia, senhores, não é uma lei ancestral e inatacável a quem devemos reverenciar acima de tudo, no máximo respeitá-la dentro do possível. Pronto, dado o recado, vamos ao que interessa: a quase abusiva contemporaneidade da crônica de João do Rio.
Nessa crônica ele cria o homem cinematográfico que “acorda pela manhã desejando acabar com varias coisas e deita-se á noite pretendendo acabar com outras tantas”. O homem cinematográfico antevisto por João do Rio talvez tenha se transformado em homem internético, apenas para conseguir assumir cada vez mais coisas a fazer, mas, em essência, continua completamente próximo daquele homem que surgia há 100 anos: “a pressa de acabar torna a vida um torvellinho macabro (...). Quem será capaz de dizer hoje sinceramente: eu vivo para o teu amor? Vive-se dois minutos porque ha pressa de outros amores que também hão de acabar.” Vaticina um João do Rio bem pré-rede de relacionamentos. Hoje não só temos pressa de acabar como temos uma certa angústia em não abarcar o máximo possível, seja de informações, trabalho, leituras, amores, amigos. A quantidade ganhou um status demasiado forte no nosso tempo. Outra “visão” acertadíssima de João do Rio é a de que “o homem de agora é como a multidão: activo e imediato. Não pensa, faz; não pergunta, obra; não reflete, julga. Cada homem vale por uma turba. A turba é inconsciente, o homem começa a sêl-o nessa nevrose”. Estamos cada vez mais marcados por pensamentos coletivos, geralmente retrógrados, que anulam a individualidade, a subjetividade, isso depois dessa “turba” ter feito o que fez nas inúmeras chacinas e guerras que aconteceram no século XX. Pouco aprendemos e isso é triste.
Para finalizar, mais João do Rio, já que essa crônica é mais dele do que minha: “O homem cinematográfico (…) não vê a belleza do sol ou do céo e a doçura das árvores porque não tem tempo, diariamente, nesse número de horas realiadas em minutos e segundos que uma população de relogios marca, registra e desfia – o pobre diabo sua, labuta, desespera com os olhos fitos nesse hipotetico poste de chegada que é a miragem da illusão.”
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