Coluna de 26/7/2012
(próxima coluna: 8/8/2012)
Nosso grande medo
No excelente livro “A negação da morte”, Ernest Becker trata do nosso ancestral medo da morte, e de como esse medo, tido por alguns como cultural, por outros como natural, determina o que somos, como nos comportamos frente à vida. O nosso principal diferencial, (não chamaria problema) é que somos, no dizer de Becker, uma criatura impossível: divididos a vida toda entre termos um corpo bastante frágil, perecível, mas ao mesmo tempo, diferente dos outros bichos, sermos criaturas completamente abertas a experiências que vão muito além da animalidade: passado, presente, futuro, imaginação, ciência, fé, tempo e, sobretudo, a consciência da morte. Este saber que se vai morrer nos pesa às costas feito fardo. Esta consciência e o medo que vem junto com ela, acarreta um outro medo: o da vida. Vamos criando máscaras, cascas, neuroses, psicoses, desculpas, muletas, enfrentando como podemos a intrincada rede social que nos constitui como seres humanos vivos.
Nenhum homem é uma ilha, diz o ditado, ao mesmo tempo, todo homem é uma ilha, pois ninguém se desvenda completamente. Somos seres de mistérios: alguns dizem que somos reduzidos à estômago e sexo e que a vida é essa estrada até a morte. Outros atribuem vida diferente além da morte, além do medo da morte, que a estrada começa depois dessa espécie de portal. Tanto a opção por uma ou outra linha nos deixa sempre o travo da angústia, a sensação de que somos presos à negação contínua de apenas uma coisa: nossa condição de criatura. Seja como filhos de Deus ou filhos da natureza, a nossa existência é marcada pelo fato de sermos criatura. Becker, inspirado no filósofo Kierkegaard, faz uma pergunta fatídica: “o que significa ser um animal consciente de si mesmo?”. A resposta, novamente pode se dividir em dois grandes grupos. O primeiro responderia que significa saber que se é alimento para os vermes. Sendo esse tipo de sabedoria justificativa para se negar a Deus, pois que tipo de divindade criaria um alimento para vermes tão complexo, tão cheio de capricho e beleza? Outra vertente ampara-se na fé. Não a fé que mascara nossa condição finita, que faz com que a esqueçamos, deixemos para lá o medo da morte e a angústia de sermos criatura. Este tipo de fé, infelizmente é a praticada pela maioria das pessoas. Mas a fé proposta por Kierkegaard, aquela que adquirimos na escola da angústia, no paradoxo de sermos, sim, alimento para os vermes e que nada podemos fazer a esse respeito, mas que existimos em face de um Deus vivo. A fé que nasce do enfrentamento de nossa condição, e não do seu simples aceitamento ou esquecimento. A fé mais difícil e rara de se ver por aí.
Becker transita em seu livro entre essas duas concepções, e termina “A negação da morte” com um conselho agridoce: “o máximo que qualquer um de nós parece poder fazer é criar alguma coisa – um objeto, ou nós mesmos – e largá-lo na confusão, fazer dele uma oferenda, por assim dizer, à força vital”.
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