"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/7/2012
 (próxima coluna: 8/8/2012)

Nosso grande medo

                     No excelente livro “A negação da morte”, Ernest Becker trata do nosso ancestral medo da morte, e de como esse medo, tido por alguns como cultural, por outros como natural, determina o que somos, como nos comportamos frente à vida. O nosso principal diferencial, (não chamaria problema) é que somos, no dizer de Becker, uma criatura impossível: divididos a vida toda entre termos um corpo bastante frágil, perecível, mas ao mesmo tempo, diferente dos outros bichos, sermos criaturas completamente abertas a experiências que vão muito além da animalidade: passado, presente, futuro, imaginação, ciência, fé, tempo e, sobretudo, a consciência da morte. Este saber que se vai morrer nos pesa às costas feito fardo. Esta consciência e o medo que vem junto com ela, acarreta um outro medo: o da vida. Vamos criando máscaras, cascas, neuroses, psicoses, desculpas, muletas, enfrentando como podemos a intrincada rede social que nos constitui como seres humanos vivos.
                     Nenhum homem é uma ilha, diz o ditado, ao mesmo tempo, todo homem é uma ilha, pois ninguém se desvenda completamente. Somos seres de mistérios: alguns dizem que somos reduzidos à estômago e sexo e que a vida é essa estrada até a morte. Outros atribuem vida diferente além da morte, além do medo da morte, que a estrada começa depois dessa espécie de portal. Tanto a opção por uma ou outra linha nos deixa sempre o travo da angústia, a sensação de que somos presos à negação contínua de apenas uma coisa: nossa condição de criatura. Seja como filhos de Deus ou filhos da natureza, a nossa existência é marcada pelo fato de sermos criatura. Becker, inspirado no filósofo Kierkegaard, faz uma pergunta fatídica: “o que significa ser um animal consciente de si mesmo?”. A resposta, novamente pode se dividir em dois grandes grupos. O primeiro responderia que significa saber que se é alimento para os vermes. Sendo esse tipo de sabedoria justificativa para se negar a Deus, pois que tipo de divindade criaria um alimento para vermes tão complexo, tão cheio de capricho e beleza? Outra vertente ampara-se na fé. Não a fé que mascara nossa condição finita, que faz com que a esqueçamos, deixemos para lá o medo da morte e a angústia de sermos criatura. Este tipo de fé, infelizmente é a praticada pela maioria das pessoas. Mas a fé proposta por Kierkegaard, aquela que adquirimos na escola da angústia, no paradoxo de sermos, sim, alimento para os vermes e que nada podemos fazer a esse respeito, mas que existimos em face de um Deus vivo. A fé que nasce do enfrentamento de nossa condição, e não do seu simples aceitamento ou esquecimento. A fé mais difícil e rara de se ver por aí.
                     Becker transita em seu livro entre essas duas concepções, e termina “A negação da morte” com um conselho agridoce: “o máximo que qualquer um de nós parece poder fazer é criar alguma coisa – um objeto, ou nós mesmos – e largá-lo na confusão, fazer dele uma oferenda, por assim dizer, à força vital”.

Arquivo de colunas anteriores:

01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 , 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 6768, 69, 70, 71, 72 , 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153
Voltar