"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/9/2012
 (próxima coluna: 9/10/2012)

 

O homem: anjo e animal

                      O filósofo Pascal dizia: “O homem não é anjo nem animal; e, por infelicidade, quem quer ser anjo é animal”. O homem é um paradoxo feito de carne e alma, porém está preso à carne. É o que os seus sentidos e a sua razão conseguem provar, todo o resto entra no campo da especulação, ou como preferem os crédulos, da fé: alma, ressurreição, vida após a morte, céu, anjos, inferno, espíritos malévolos e, em última análise, Deus, estão no campo do mistério, da ausência de provas científicas, estão naquela parte da vida que faz o homem um animal preocupado, não somente com a sobrevivência imediata, como todos os outros animais, mas com a sobrevivência na eternidade.
                      Diferente de Pascal, penso que o homem seja um animal preso aos dois sentidos da palavra escatologia, que, sob o ponto de vista cristão, é a expectativa real da chegada do reino de Deus, o momento em que os anseios da alma humana serão apaziguados. A escatologia também se remete ao escatol, composto cristalino que dá o cheiro desagradável às fezes, que é também o dejeto, o vômito, o pus, o decrépito, as feridas, as coceiras, os escarros, as excreções que o corpo humano produz. É com essa dualidade que temos que viver: um corpo perecível que quer ser anjo na eternidade.
                      Alguns optam por acreditar apenas no corpo, acreditar apenas na temporalidade, outros optam por crer num além, numa eternidade que nos aguarda após a morte, outros ainda acreditam que para chegar à eternidade, a alma deverá vir algumas vezes ser corpo perecível, ser animal. Enfim, são variantes de crenças a respeito da morte, do após a morte, que não definem uma pessoa, não fazem dela má ou boa eticamente, apenas ajudam a pessoa a enfrentar a pior das sabedorias: o saber que vai morrer. O homem é capaz de dizer “eu quero morrer” e providenciar seu desejo, no entanto, não é possível realizar o contrário: por mais que digamos “eu não quero morrer” o desejo não poderá ser realizado. Como diz a piada, viva seu dia como se fosse o último, um dia você acerta.
                      A sabedoria popular também diz que a morte é a única certeza que temos, o engraçado é que tal certeza parece não afetar muita gente, que age como se não fosse morrer, não fosse acabar igual a todos, na vala comum dos ossos (para os que acreditam nisso); ou enfrentar o julgamento final (para os outros que nisso acreditam). Ressalte-se que esse tipo de gente não é exclusividade de ateus, agnósticos ou crentes. Os túmulos caiados por fora e podridão por dentro, estão em todos os cantos, estão corrompendo, matando, espalhando a dor e a miséria, fazendo do homem um animal da pior espécie. Somos tão paradoxais que do outro lado, existem outros que são solidários, afetuosos, caridosos, capazes de sacrifícios gigantescos pelo bem bem-estar do próximo. Estes fazem do homem a melhor espécie.
                      Assim, presos às escatologias, querendo ser anjos, sendo animais, seguimos. Até o dia que a cada um será revelado a verdade sobre o que há (se há alguma coisa...), depois da morte.

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