"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/10/2012
 (próxima coluna: 21/10/2012)

A Rua das Palmeiras

                Eu tenho 90 anos. Quando li sobre o novo projeto da Rua das Palmeiras, resolvi ir ao centro de Joinville para dar uma última olhada na cara que a alameda teve nas últimas quatro décadas. A rua irá ser remodelada. Eu queria que a vida fosse assim também. Cansou, remodela, perdeu o contexto, o uso, a praticidade, remodela. Mas com a vida é diferente, por mais que queiram nos enganar as cirurgias plásticas, com a vida, ou melhor com o corpo, não há remodelação, não há projeto novo que dê certo, não há requalificação possível.
                Porém, com ruas, praças, cidades isso é possível, e ainda bem que é assim. Eu me lembro da última reforma que essa rua teve. Era 1973, quando aquele artista “euroupeu”, nascido em Joinville, remodelou tudo, transformou a rua das palmeiras num bulevar, ou 'boulevard”, como preferem os bem nascidos. Quando isso aconteceu, eu, que não era bem nascido, achei meio estranho, transformar a rua num jardim, mas depois me acostumei. Dizem agora que o artista ficou meio indignado porque mexeram no seu trabalho sem consultá-lo. Eu acho uma bobagem, claro. Esses artistas são todos muito vaidosos, ficam procurando sempre pelo em ovo. Trata-se de uma rua, com palmeiras nas margens, se o modelo atual não funciona, remodela. Mas eu sou só um velho, posso achar bobagem o que para os outros não é bobagem.
                Antes da reforma de 1973, eu sempre passava pela tradicional Rua das Palmeiras. Achava engraçado que aquela fileira de palmeiras estivesse ali para agradar os olhos de um príncipe, que por ali nunca esteve. Mais: que ao fundo, um palacete também tivesse sido construído com a mesma esperança. Tempos em que grandes obras eram feitas para agradar os donos do poder. Agora, olho para o alto das palmeiras e percebo que as coisas não mudaram tanto assim, as obras continuam a ser construídas para afagar o ego dos donos do poder político, do poder econômico. Não é à toa que chamam essas obras de faraônicas. Mas o que sei eu de faraós, políticos e obras? Sou apenas um velho que andou muito sob essas palmeiras.
                Tudo o que eu desejo é que a nova versão, ou requalificação urbana, não danifique as palmeiras. Elas não merecem isso. Muitas ainda estão firmes esperando o príncipe e a princesa. Que este trabalho traga um novo viço à rua, à cidade, pena que a requalificação urbana não se estenda mais um pouco que vire requalificação fluvial, afinal o Rio Cachoeira não teve a mesma sorte das palmeiras. Mas quem sou eu para querer isso? Sou apenas um velho que viveu a vida toda nessa cidade. Um velho que teve a sorte de se parecer mais com as palmeiras do que com o rio. Não que se parecer com o rio seja ruim, é que ele foi assassinado e eu e as palmeiras estamos por aqui. Firmes e fortes.
                Pronto, já tive minha cota diária de reflexão e saudosismo. Vou-me embora antes que um desses arqueólogos pensem que eu seja um fóssil e me leve para um museu qualquer.

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