"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 21/11/2012
 (próxima coluna: 9/12/2012)

NATURAL NÃO NATURAL

Sartre dizia que “escrever não é viver, nem tampouco se afastar da vida para contemplar, num mundo em repouso, as essências platônicas e o arquétipo da beleza, nem deixar-se lacerar, como se se tratasse de espadas, por palavras desconhecidas, incompreendidas, vindas de trás de nós: é exercer um ofício. Um ofício que exige um aprendizado, um trabalho continuado, consciência profissional e senso de responsabilidade”. Esse pensamento de Sartre retira do ato de escrever, sobretudo literatura, qualquer glamourização romântica da inspiração, qualquer superioridade que alguns pensam haver no ato de escrever.

Claro, é preciso contextualizar o texto de Sartre, escrito logo após a Segunda Guerra, não fazia sentido para o filósofo um mundo em que o escritor fosse um sofredor romântico, ou um autoexilado existencial, ou um sujeito captador das belezas etéreas advindas da inspiração. O escritor tinha que ser ativo, participante, ou, nas palavras de Sartre, engajado. Sua escrita devia estar anexa ao tempo em que vivia e não num passado mítico, ou nas alturas metafísicas do sentimento, das coisas do espírito. O escritor não poderia se colocar acima ou afora da realidade cortante que perpassava o mundo naquela década, sempre tendo como foco a liberdade, pois, para o próprio Sartre, a literatura é o exercício da liberdade.

Tratar a escrita como ofício, como trabalho contínuo, talvez seja a melhor parte desse pensamento de Sartre, pois desmonta um pouco o mito do escritor inspirado, do escritor xamânico, recebedor do mistério da arte. Talvez isso funcione para alguns, mas mesmo esses possuem um esforço laborativo por trás.

Quando falamos em inspiração, nos colocamos, muitas vezes, dentro desse terreno pantanoso do talento, do “dom natural”, algo atribuído pela “natureza” do indivíduo que ele pode desenvolver ou não. Outro artista revolucionário, o dramaturgo Bertolt Brecht dizia que não há nada natural, pois a “natureza” serviu, e serve, para explicar e justificar uma série de atrocidades, sobretudo no que tange às etnias e às classes sociais: era natural que negros fossem escravizados, é natural que pobres sejam explorados pelo capitalismo, é natural que o mundo seja controlado por homens brancos e heterossexuais, enfim, a ideia de natureza justificou muita coisa perniciosa. E continua justificando, pois ao se deixar a coisa no campo do “é natural”, a possibilidade de mudar, de enfrentar o problema fica mais difícil.

Quando Sartre clama pelo senso de responsabilidade dos escritores, ele deseja, justamente, que a ideia natural de “inspiração” não atrapalhe a consciência do escritor, não o torne um ser suscetível a ideias vindas das musas, mas que ele atue sobre seu tempo, escreva com responsabilidade e empenho, que faça da sua escrita um instrumento real de transformação das insensibilidades, das injustiças, das coisas todas que atrapalham a vida humana e que não têm nada de natural.


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