Coluna de 26/12/2012
(próxima coluna: 26/2/2013
Poço. Pai. (E demais memórias inventadas)
Ajoelhado, à beira do poço, o menino narcisa-se.
Mais do que um menino-narciso que ficava à beira do já feito, ele, junto com o pai, cavou seu próprio poço. Lembra-se com candura: primeiro, o pai precisava saber por onde a água passava, qual o caminho secreto que ela tinha abaixo dos seus pés. Para isso chamava-se o Seu Lolo, que andava em todo o terreno com a forquilha na mão e ali, num canto qualquer do pasto, como que por milagre, aquele galho de árvore, fino, desprovido de qualquer força aparente, vergava-se em direção à terra, e dava a convicção ao Seu Lolo: pode cavar aqui. – É de certeza, Seu Lolo? – O pai ainda duvidava, adulto. Ele não! – Vamos cavar aqui, pai. – Não viu a forquilha quase sair da mão do Seu Lolo, tanta força fez para o chão. Tem água lá embaixo, sim. O pai, quase bronqueado pela insistência do filho, por fim aceitava, e começavam a cavar. Primeiro, a terra mole, escura, alimento para a grama do pasto, depois algo mais seco, arenoso. Seguiam cavando, cavando. A terra ia mudando. O fascínio ia crescendo à medida que encontravam folhas, gravetos, vestígios de tempos mais do que antigos. – Já imaginou, pai, se a gente achasse um dinossauro? – E lá isso existe? Nesse barro mole, tu só vai encontrar é folha morta mesmo. E seguiam cavando. A umidade já aparecia na parede do poço, logo chegariam à água sagrada. Logo se confirmaria a ciência do Seu Lolo.
– Onde será que ele aprendeu a fazer, pai? Esse negócio de achar água assim, com a forquilha. – Coisa dos antigamente, meu filho. – Mas o senhor já tentou? – Tem que ter o dom, ter o dom. Teu avô não tinha, eu não tenho, é bem capaz de tu também não ter. E seguiam cavando. Ele um pouco mais triste, não ia ter o dom de achar água. Depois, um terreno argiloso. Esquecia um pouco do poço e ia ser escultor. A argila tornava-se barco, patos, cachorros, pessoas. Ria da feiúra de seus bonecos. Queria mesmo era cavar o poço, encontrar a água.
– Logo a gente chega no veio d'água, pode deixá! E o pai cumpria o dito: – Opa, chegamo! Aos poucos, a água nascia, misturava-se ao barro, vinha subindo, suja, mas viva, dando razão à certeza do Seu Lolo. – Amanhã tá cheio, aí a gente já pode ver se a água é boa mesmo. Desde então, sempre vai ver o poço, ver se a água continuava presa e límpida espelhando-o viver.
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